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Os Efeitos da Pandemia do Novocoronavírus nos Contratos de Locação Comercial

I – BREVE CONTEXTO FÁTICO

É fato público e notório que em razão da disseminação do novo coronavírus, denominado Sars-Cov-2, uma série de medidas acautelatórias restritivas de direitos foram recomendadas pelas autoridades públicas e sanitárias com a finalidade de evitar a propagação da pandemia, dentre as quais destacam-se a imposição de distanciamento social e o fechamento das atividades consideradas não essenciais.

Em função da imposição de tais medidas, diversos segmentos empresariais convivem atualmente com significativa redução de suas receitas por conta da obrigação de atender as determinações impostas pelas autoridades competentes no combate a pandemia, o que refletiu diretamente no faturamento das empresas e consequentemente no cumprimento e adimplemento de obrigações habituais, como locação e seus respectivos encargos.

Com a queda abrupta de receitas e a impossibilidade da retomada imediata das atividades, empresas de diversos segmentos não tiveram alternativa senão buscar renegociar os contratos de aluguéis e até mesmo a tutela judicial para suspender e/ou reduzir o valor dos aluguéis durante o período de pandemia.

Diante do cenário acima delineado e considerando a alteração das circunstâncias fáticas e jurídicas vigentes à época da celebração do contrato de locação, se comparadas ao cenário atual de suspensão de atividades generalizada com queda abrupta de faturamento, além da necessidade de atender as medidas de isolamento social impostas pelas autoridades governamentais e da saúde, indaga-se acerca da possibilidade jurídica de obter a suspensão e/ou a redução dos encargos locatícios durante o período de pandemia visando o reequilíbrio contratual.

 

II – DOS FUNDAMENTOS E PRINCÍPIOS APLICÁVEIS PARA REEQUILIBRAR A RELAÇÃO CONTRATUAL DIANTE DO CENÁRIO DE PANDEMIA

Pode-se considerar que as medidas emergenciais adotadas pelos poderes públicos competentes evidenciam o cenário extraordinário de força maior e os seus graves prejuízos e reflexos de natureza sanitária e econômica, capaz de ensejar medidas que visem o reequilíbrio contratual entre as partes.

O artigo 393 do Código Civil assim dispõe acerca do cenário de extraordinário de caso fortuito ou força maior.

“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”

Contudo, cumpre desde já advertir que não basta a parte simplesmente alegar de forma isolada e descontextualizada a ocorrência de caso fortuito ou força maior como fundamento para suspender ou flexibilizar as obrigações contratuais, sendo imprescindível a demonstração do nexo de causalidade entre o cenário de pandemia e a impossibilidade de cumprimento das obrigações assumidas.

Neste contexto, imperioso pontuar que os artigos 478, 479 e 480 do Código Civil estabelecem a possibilidade de reequilíbrio contratual sob a ótica da atual realidade sanitária e econômica, nas hipóteses em que o fator extraordinário torna excessivamente dificultoso o adimplemento da obrigação pactuada nos contratos de prestação contínua.

Não obstante, devem também ser observados em todas as relações contratuais os princípios da boa fé objetiva e função social do contrato, conforme preconizado nos artigos 421 e 422 do Código Civil.

Sabe-se ainda que apesar do “pacta sunt servanda” ser representativo da segurança jurídica no âmbito das relações contratuais e estabelecer força obrigacional entre as partes, tal brocardo latino não pode ser interpretado de forma absoluta.

Ou seja, o princípio do pacta sunt servanda pode ser relativizado, principalmente diante dos princípios da boa-fé objetiva, da função social dos contratos e do dirigismo contratual.

Por sua vez a cláusula rec sic stantibus instrumentaliza a Teoria da Imprevisão e defende que o contrato faz lei entre as partes enquanto as coisas e os fatos permanecerem na forma estabelecida na época de celebração do contrato, pois a obrigatoriedade do cumprimento do contrato pressupõe inalterabilidade da situação de fato, o que não ocorre no atual cenário de força maior ocasionado pelo avanço do novo coronavírus que altera profundamente as bases negociadas do contrato.

Desse modo, dada a situação excepcional e imprevisível vivida atualmente, é recomendável ao LOCATÁRIO, que se encontra em dificuldade financeira e impossibilitado de cumprir as obrigações assumidas por conta das medidas restritivas impostas pelas autoridades no combate a pandemia, buscar junto ao LOCADOR alternativas para equacionar e reequilibrar a relação contratual, tais como redução dos aluguéis, suspensão temporária do contrato, redução dos encargos locatícios, entre outras.

E caso não haja a possibilidade de acordo entre as partes, a tutela jurisdicional será o único meio para estabelecer o reequilíbrio contratual.

 

III – CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÃO

Consoante restou evidenciado, as novas circunstâncias resultantes do avanço da pandemia ultrapassam em muito o que razoavelmente se podia prever ao tempo da celebração do contrato de locação, tendo sobrevindo com excessiva rapidez, atingindo de forma inesperada a relação anteriormente celebrada, dando ensejo a aplicação da Teoria da Imprevisão.

Vale ainda ressaltar que as partes, em atendimento aos princípios do Direito Contratual como a boa-fé objetiva e função social dos contratos, devem buscar sempre o equilíbrio das relações contratuais, de modo a evitar obrigações excessivamente onerosas.

Até porque deve ser interesse das partes que o contrato não seja rescindido de imediato.

Logo, com relação a indagação aqui formulada acerca da possibilidade jurídica de obter a suspensão e/ou a redução dos encargos locatícios durante o período de pandemia visando o reequilíbrio contratual, cumpre ressaltar que há o devido amparo legal para discutir judicialmente tal possibilidade, conforme pontuado acima, contudo, não há um posicionamento uníssono e pacífico nos Tribunais, na medida em que é imprescindível a demonstração o nexo de causalidade entre os efeitos da pandemia e o impacto nas relações contratuais para ensejar a aplicação da Teoria da Imprevisão juntamente com os demais princípios e fundamentos aqui expostos.

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